Quando perguntam qual meu time,
sou acometido por certo pânico ao pensar em responder. Por um segundo passa
pela minha cabeça a discriminação, os olhares desconfiados ou de desprezo.
Alguns tentam até entender sem entender, como se fosse eu um alienígena ou
coisa pior. Mas imediatamente me recomponho lembrando as palavras de Nelson
Rodriguez, que trazem certo conforto essa hora: “Toda unanimidade é burra”. Não
que eu me sinta superior, mas carrego o fardo de querer ir além das aparências,
das emoções fortes, da alegria vazia de um grito de gol que se perderá no tempo
sem deixar nenhum legado útil para a humanidade. Então, forçando a naturalidade
respondo: Eu não gosto de futebol. Após um silencio que parece uma eternidade,
os olhares se desviam buscando na mente entender esse fenômeno raro. Alguns,
num esforço de etiqueta, apenas balbuciam um ruído que, de pretensioso, simula
uma aceitação, mas outros não se controlam e partem para os questionamentos.
Assim resolvi perder o medo e juntar numa espécie de manifesto todas as razões
pelas quais eu não gosto de futebol.
Fico estarrecido ao ver como o
futebol é habilmente usado para promover a alienação das massas e seu
afastamento das questões importantes. Hodiernamente existe uma tendência a
mudança desse quadro, mas acompanhando a nossa história, vemos que o fervor de
nosso povo para lutar por seus diretos e reivindicar o que é certo, foi
paulatinamente trocado pelo fervor futebolístico onde os gritos de
reivindicação das ruas foram substituídos pelos gritos de gol. Resumindo, nosso
IDH é inversamente proporcional ao quantitativo acumulado de GOLs.
Estranhamente as copas em que a
seleção brasileira foi campeã sempre estiveram próximas a momentos de crise. Em
1956 a revolta de Jacareacanga quando militares da aeronáutica insatisfeitos
tentaram depor o presidente Juscelino Kubitschek e em 1958 a seleção brasileira
ganhava sua primeira copa. 1960, a capital do Brasil é transferida do Rio de
Janeiro para Brasília em meio a críticas sobre os gastos excessivos e o endividamento
junto a credores internacionais e em 1962 a seleção brasileira se consagrava
campeã de mais uma copa. No ano de 1970 era mais um campeonato enquanto
vivia-se a sombra do AI5. Na década de 90 tivemos o impeachment do presidente
Fernando Collor (1992), ocorre a conferência mundial para o meio ambiente
(1992), plebiscito sobre o sistema de governo (1993) e a seleção brasileira
conquista mais um título na copa do mundo de 1994.
Somos o país do futebol ou nos
fizeram um país de futebol? Aos poucos já estávamos viciados em futebol e a
nossa "domesticação" ou transformação de povo politizado e
reivindicador para cordeiros mansos indo para matadouro (ou maracanã), já
estava completa. Numa atualização da frase de Maquiavel quando ele diz que
"O povo precisa de pão e circo", podemos dizer hoje: o povo é pobre,
mas se alegra com um gol! Contraditoriamente, os jogadores de futebol mais
idolatrados, em sua maioria, não vivem aqui. São estrangeiros que comercializam
a alegria do povo pobre e miserável esbanjando um dinheiro que serviria para
resolver muitos problemas sociais em muitos países.
Hoje, além da copa do mundo, são
quase 100 campeonatos se considerarmos todas as divisões. Assim temos a Copa do
Brasil (competição nacional); campeonatos regionais; campeonato brasileiro
(acontece no segundo semestre); a libertadores da América (times da América do
sul e do México) entre outras competições espalhadas pelo mundo. Tudo
massivamente transmitido e massificado pela mídia dominante na mente das
pessoas de forma impositiva.
O absurdo chega a tanto que
frequentemente e não deforma isolada e esporádica, vemos episódios de
violência, assassinatos, acidentes envolvendo as grandes multidões de
torcedores. Mas tudo isso é pouco comparado com o volume de dinheiro movimentado
em torno desse circo. Somente a Fifa, terá um lucro de mais de 10 bilhões com
uma única copa. Se somarmos isso ao lucro dos patrocinadores, dos times, as
transações milionárias envolvendo jogadores, concluímos que a soma é muito alta
para se pensar em soberania nacional, em benefício para o povo e para a
distribuição justa dessa renda que traria muitos benefícios reais.
Hoje em dia, quando uma criança
nasce, a primeira preocupação do pai é se o seu filho seguirá sua preferência
futebolística. É muito comum comprar a camisa do time antes de comprar o
primeiro pacote de fraldas. Nesse contexto familiar, é sempre o time do pai que
vai prevalecer em detrimento do time da mãe. Esta, quando não abre mão do seu
time para torcer pelo mesmo time do marido, não arbitra sobre que time a
criança deve ou não seguir e esta, quando já está em idade que pode utilizar o
seu livre-arbítrio, já está tão condicionada ou com medo de contrariar o pai
que dificilmente muda de time.
Assim, quando ele cresce, sonha
em ser jogador de futebol. Sustentando esse sonho, só tira nota baixa na
escola, pois seus ídolos e exemplos de vida não precisaram estudar tanto para
ganharem milhões. O pai projeta seu sonho de infância no filho e gasta o que
não pode para pagar uma escolhinha famosa de algum time. Segue assim até não
ter mais idade de ser “descoberto” por algum olheiro. Frustrado e sem completar
seus estudos, ainda tem a chance de fazer um curso supletivo, mas, como a
maioria acha estudar é chato e dá muito trabalho, acaba num trabalho
assalariado, sem garantias e com carga horária que não permite que ele volte a
sonhar. Exagero? Talvez, mas acho que todo mundo já viu uma história dessas.